quinta-feira, 17 de março de 2011

As Lições de Muricy Ramalho para a policia militar

Embora reconheça que não sou nenhum exímio praticante da arte futebolística, nem mesmo durante os estimulantes finais de semana, confidencio que me sinto atraído pelo mundo do futebol, muito mais pelo o que acontece no espaço exterior às quatro linhas que delimitam o ambiente de confronto entre os times adversários do que pelos passes, os lances e, até mesmo, o gol.
Os personagens, os fatos e as cifras que estão envolvidas na promoção dos campeonatos são, por demais, interessantes e, sem dúvidas, tem uma influência direta neste que é denominado como o esporte das multidões. Logo, é impossível não se deter sobre os valores que determinado jogador recebe para exercer o seu ofício de entretenedor ou a quantia que certa rede de televisão se propõe a pagar para transmitir os jogos. São números extraordinários, ainda mais quando comparados ao fato de que 56,8% da população brasileira, segundo os dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) publicados pelo IBGE, sobrevive com uma renda familiar entre zero e 465 reais.
Porém, a notícia que me surpreendeu recentemente no mundo do futebol foi a postura de Muricy Ramalho quando renunciou ao cargo de técnico do Fluminense Football Club (sim, este é o nome oficial do clube!) e as justificativas por ele apresentadas.

Conhecido pela sua desenvoltura e linguajar peculiar, Muricy nos brindou a todos com uma verdadeira lição de respeito a princípios éticos, correção moral e de fidelidade aos seus ideais. Ele, em entrevista à Rede Globo de Televisão, expôs os fatos que o forçaram a abdicar do seu posto. Fala que lhe foram asseguradas garantias de que a infra-estrutura do time seria melhorada, mas que, em contrapartida, era necessária a conquista de títulos. Muricy cumpriu a sua parte e o Fluminense sagrou-se, após 26 anos, campeão do campeonato brasileiro de futebol do ano de 2010. O time, por sua vez, não cumpriu o quanto prometido.
Para um melhor entendimento, destrinchei a declaração, ipis literis, que Muricy Ramalho prestou à Rede Globo e fiz a seguintes observações:
“Quando eu vim pro Fluminense, a gente tinha alguns objetivos [...] o primeiro objetivo foi alcançado [...] que foi ganhar o campeonato. Mas só que o segundo eu não consegui. Como isso era combinado, eu abri mão do contrato muito bom que tinha. Vou ficar desempregado [...].”
Muricy, para assumir o cargo de técnico do Fluminense, estabeleceu os objetivos a serem atingidos. Pergunta: nossas instituições de segurança pública possuem objetivos claros para o cumprimento das suas missões constitucionais ou trabalham de forma improvisada, agindo apenas sob demanda? O técnico foi claro sob a necessidade de melhoria estrutural do seu local de trabalho para a consecução dos objetivos aos quais se propôs. Pergunta: os nossos comandantes-em-chefe ou gestores políticos máximos sabem, realmente, quais são as nossas necessidades estruturais e que, sem o atendimento destas, qualquer espécie de injeção de recursos, humanos e materiais, redundará apenas em despesa e não em investimento?
“[...] A gente machucava nossos jogadores a todo momento [...] No nosso local de trabalho, infelizmente as coisas não melhoraram. A gente perde demais com isso. Perde qualidade, perde jogadores, porque eu preciso de um lugar bom pra trabalhar. É um absurdo a gente trabalhar do jeito que a gente está trabalhando [...].”
O treinador mostrou-se preocupado com o fato de que, devido às más condições do seu local de trabalho, os jogadores do seu time estavam se machucando. No estado da Bahia, em pouco mais de seis meses, quatro policiais militares cometeram suicídio! Pergunta: há motivos para nos preocuparmos com isso? Ele percebeu, também, que a falta de infra-estrutura do clube estava estimulando a saída de jogadores do clube e influenciando diretamente a (má) qualidade do seu trabalho. Pergunta: este fato se assemelha a “fuga de cérebros” e a desmotivação que assola o nosso efetivo?
“[...] E eu não sou esse tipo de treinador que fica mudando de clube, indo pro outro assim por alguma vantagem. Mesmo porque o que eu ganho no Fluminense com certeza ninguém vai pagar.”
O competente técnico abriu mão de um salário mensal estimado em 500 mil reais, ficará temporariamente desempregado e, cético que é, afirma saber que nenhum time do futebol brasileiro estaria disposto a lhe pagar o valor que, por si, deixará de receber. Pergunta: Muricy não se apegou ao seu cargo e ao seu bom salário, se apegaria, então, a gratificações (DAS, DAÍ, CET etc.), diárias, honorários de ensino e horas-extras?
A natureza é cíclica: começo, meio e fim. Quando as coisas não saem exatamente como planejamos, além de revermos as etapas do planejamento (analisar a situação; determinar os objetivos; identificar o público; definir estratégias; estabelecer recursos; operacionalizar; controlar e avaliar), devemos, se possível, reparar os erros. Quando estes erros, porém, não decorrem exclusivamente das nossas ações, devemos informar aos nossos gestores e com eles, inclusive, partilhar a responsabilidade pela ocorrência dos mesmos, nos desapegarmos do cargo e das suas benesses e, cônscios da nossa competência, seguirmos em frente, ainda que em outro local de trabalho. Afinal, não somos insubstituíveis nem podemos personificar individualmente projetos de cunho institucional.
É, meus caríssimos, para quem pensa que o futebol é apenas um esporte no qual um monte de marmanjos e, eventualmente, mulheres ficam correndo atrás de uma bola, ele, mais uma vez, mostra-se, além de uma arte, uma caixinha de surpresas. Parabéns Muricy Ramalho.

*Rosuilson Cardoso é Tenente da Polícia Militar da Bahia, atualmente servindo na 57ª CIPM/Santo Estevão.

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