domingo, 3 de abril de 2011

Investigador da polícia canta para os presos da delegacia de Itinga

Quando o policial civil Wandick Pessôa engatilha o gogó para disparar a cantoria, o jeito é pôr as mãos na cabeça para não perder o juízo no chamego da seresta.  Mas nem tudo é rala-umbigo no reino do arrocha de Wandick´Pessôa. Que o diga o fã clube masculino do investigador de  57 anos,  sediado no xilindró da 27ª Delegacia, em Itinga, Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador.
Os 40 marmanjos, espremidos num espaço onde cabem só 16 pessoas, não podem dar ao corpo o mesmo deleite malemolente que recebem os ouvidos. “Eles sempre pedem música quando passo pelo xadrez. Dizem: ‘Wandick, leva um sonzinho pra gente aí’”, conta o policial. O seresteiro então pigarreia, incorpora o ar de cafajeste debochado do ídolo Reginaldo Rossi e solta a voz grave e meticulosamente chorosa.
No dia 21 de dezembro do ano passado, o policial não foi ao xilindró acompanhado apenas do seu gogó tremulante. Ele levou o músico Durval Caldas, irmão de Luiz Caldas, para tocar violão e fazer meia hora de apresentação - os presos não saíram das celas. “Eles pedem, e eu quis fazer um negócio melhor. Achei que o violão ia deixar mais gostoso para eles”, lembra. A seresta foi autorizada pelo delegado plantonista Fábio Melo, que preferiu não comentar o assunto. O vídeo foi postado no youtube e até  sexta-feira somava 421 visualizações.
O cantor Luiz Caldas, amigo de Wandick, elogiou a iniciativa. “Ele é underground, nem Mick Jagger (vocalista dos Rolling Stones) fez isso”, brinca.  “Se ele já estivesse em São Paulo, tinha estourado. Aqui na Bahia é duro”.
Agora os fãs querem bis. “É música de brega do jeitinho que a gente gosta. Tem que fazer isso mais vezes”, pede Bruno Santos Silva, 29 anos, acusado de tráfico. Para Marcos Santos Gomes, 28, detido pelo mesmo crime, a iniciativa ajuda a acalmar os colegas. “A gente deu muita risada. Deu para relaxar a cabeça um pouquinho”, diz.

InspiraçãoA delegacia não serve só de palco. As ocorrências registradas, quando provocadas pelas diabruras impiedosas da alma feminina, vão parar nas letras das canções. Como bom seresteiro, as dores de cotovelo e de testa são a melhor matéria-prima.
Uma das músicas mais conhecidas de Wandick em Itinga é  Sai de Mim (Melô do Bombeiro), escrita há seis anos e gravada no disco Inéditas, um dos cinco produzidos pelo policial. A canção foi inspirada na história de um morador do bairro que flagrou um bombeiro apagando o fogo de sua mulher na cama. Após o chifre, restou à vítima chorar as mágoas na delegacia, e a Wandick criar os versos:  “Quando te encontrei com o bombeiro na nossa cama, eu jurei nunca mais te querer e de tristeza quase morri”.
Na história do seresteiro, que afirma ter distribuído de graça 10 mil discos, há um dueto com o ídolo Reginaldo Rossi, no Parque de Exposições, em 2003. Após gritar na frente do palco que queria mostrar uma música, o cantor mandou o policial subir. “Ele falou: ‘vai, baiano, leva Garçom aí’. Chamei por Deus e soltei a voz. Eu vou ser o Reginaldo da Bahia!”, brinca.  
Wandick, que sofre de diabetes, do coração e da paixão inveterada pela boemia, costuma dizer que, se ainda está vivo, é  graças à música. Quem sabe  um dia ele não declara seu amor pela seresta e açucara ainda mais os versos de Vinicius de Moraes: “E de te amar assim, muito e amiúde, é que um dia em teu corpo de repente hei de morrer de amar mais do que pude”.

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